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Seja bem-vindo, caro leitor/escritor. Ler faz bem à saúde - física e mental. Sabendo disso, obrigo-me a tomar cavalares doses diárias de leitura. Como tudo que é exagerado faz mal, preciso eliminar parte desse remédio para manter meu organismo saudável. Não há pâncreas que produza qualquer enzima capaz de catalizar a leitura, ou fígado capaz de ajudar a excretar o excesso. O melhor tratamento, descobri, é escrever. Crimine Liber, portanto, tem a nobre e terapêutica missão de aliviar a pressão provocada pelas doses de leitura, além de fazer despejar aquilo que meu organismo absorveu de melhor ou pior dos livros que li, tenho lido ou vou ler. Espero que você aprecie!!!
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Talk Show
Cotação: §§§§
Livro: Talk Show
Autor: Arnaldo Bloch
Editora: Companhia das Letras
119 páginas
Mantendo a ideia de escrever sobre livros com crimes, de conteúdo não necessariamente policial, vou falar um pouco de ‘Talk Show’ de Arnaldo Bloch (esse não tem nada de policial). Tive o privilégio de conhecer o autor pessoalmente no último mês (um sujeito gentil, não direi mais nada a seu respeito para não soar como bajulação) e conversar sobre o livro.
A minha primeira impressão foi a de estar diante de um filme de David Lynch, mas eu odeio o David Lynch e todo aquele seu pedantismo pseudo-intelectual. Como, então, explicar que tenha gostado do livro sem despertar nas pessoas a certeza de que fui irremediavelmente aferroado pela mosca do puxa-saquismo? Simplesmente não devo explicações a ninguém, portanto...
O fato é que há muitas semelhanças e diferenças entre a boa obra do Bloch e do audacioso diretor americano, a quem a partir desse ponto deixo um pouco de lado. A primeira virtude do autor é a linguagem. Muito bem escrito, como era de se esperar, o livro apresenta uma linguagem simples e desempolada, por isso mesmo elegante.
Apesar disso, no início tem-se a impressão de que se está diante de uma leitura pesada. Não é verdade. Os capítulos são muito curtos (há capítulos de uma página), tão curtos que suspeito que possuam outra classificação (não seriam capítulos, talvez versículos), o que ajuda o leitor, porque a trama, bem, a trama é bastante intrincada.
Bloch, de forma bastante incomum e original, nos apresenta a história logo nas primeiras páginas contando a biografia do personagem principal. Não é nenhum spoiler, ao contrário, serve para esclarecer e confundir, e é isso que o romance faz até o final, esclarece e confunde, clareia e escurece, informa e desinforma até o leitor entrar em um estado de torpor tão grande que já não sabe o que é realidade e o que é farsa (mas isso pouco importa e suspeito de que essa seja a vontade do autor).
O personagem principal, que pode ser dois, é um escritor famoso com um passado muito obscuro, (em termos, uma vez que sua história é apresentada nas primeiras páginas, ou não), quase mítico, que ao alcançar o auge de sua carreira opta por se recolher e viver quase entocado. Sua vida misteriosa está prestes a ser completamente revelada por um jornalista que suspeita da verdadeira identidade do escritor.
O livro é narrado no presente, quando tudo está para ser resolvido na vida do personagem, mas toda a evolução de sua carreira é contada habilmente, justificando os acontecimentos. Variações temporais, mudanças de perspectivas, de referências, personagens que parecem se desdobrar em personalidades distintas, tudo isso confunde o leitor no início e termina numa explosão, numa confluência perfeita em que se descortina uma verdade que poderia muito bem ser outra, ou será que é outra.
Todo o conjunto me fez pensar em David Lynch, um diretor de quem não gosto, ao final de uma leitura da qual gostei muito, o que me leva a concluir que Arnaldo Bloch escreveu com muita perícia a história que o diretor americano gostaria de ter criado.
Obs: Apenas como sobremesa, o autor descreve uma deliciosa receita ao final do livro, mas temo pela liberdade dos que ousarem torná-la real.
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