Cotação: §§§
Livro: A Guimba
Autor: Will Self
Editora: Alfaguara
331 páginas
Assim como ‘Precisamos falar sobre o Kevin’, comprei esse bom livro pela capa, que faz coçar os mais recônditos bronquíolos dos chatíssimos politicamente corretos. Aliás, antes de falar sobre o livro, quero destacar a esplendorosa edição, capa instigante de alta qualidade, páginas claras com tipagem agradável que facilita a leitura, tradução muito competente de Cássio de Arantes Leite.
Feitas as considerações iniciais, assim como ‘Precisamos falar sobre o Kevin’, não me arrependi da escolha. Não se trata de um romance policial, mas a trama parte de um crime (crime?). Um cidadão anglo, em visita a um país de proporções continentais, antiga colônia de sua nação, decide que já é hora de parar de fumar. Antes, porém, acende seu último cigarro aproveitando aquele prazer prosaico até a última tragada. Quando termina vai até a sacada do seu quarto de hotel e arremessa a guimba que cai acidentalmente no apartamento de baixo, atingindo a cabeça de um senhor de idade avançada. Pronto. O ato, aparentemente irrelevante, dá início a uma odisséia épica inacreditável.
O tabagismo sofre restrições graves no país e até mesmo o ato de fumar em local privado é vedado. Arremessar a guimba imprudentemente contra uma pessoa, então, é crime grave. E o sujeito, chamado Tom Brodzinski, é acusado de tentativa de homicídio e submetido aos rigores da Lei local. Com o tempo percebe-se que os motivos reais que levaram o atrapalhado gringo ao banco dos réus são muito mais relevantes do que se supunha.
O livro lembra muito ‘O Estrangeiro’ de Camus, escola nitidamente seguida pelo autor inglês que se lastreia numa história de absurdos e numa aventura fantástica em que o protagonista deve percorrer todo o país para expiar sua culpa por meio de um acordo judicial bastante suspeito.
Os personagens são soberbamente elaborados e o leitor se pergunta várias vezes não se aquele amontoado situações esdrúxulas são verossímeis, e sim como tudo aquilo pode ter surgido na cabeça do escritor.
A nota negativa fica por conta da longa narrativa (na minha opinião a epopéia poderia ser mais enxuta), que não compromete, no entanto, a qualidade do texto. A leitura é uma viagem longa, como aquelas que você fazia com seus pais quando era criança e insistia em perguntar se já estavam chegando. Mas a recompensa ao final é a mesma da chegada à casa de praia, com a vantagem de que você vai repensar seriamente o (mau) hábito do fumo.
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