Boas vindas

Seja bem-vindo, caro leitor/escritor. Ler faz bem à saúde - física e mental. Sabendo disso, obrigo-me a tomar cavalares doses diárias de leitura. Como tudo que é exagerado faz mal, preciso eliminar parte desse remédio para manter meu organismo saudável. Não há pâncreas que produza qualquer enzima capaz de catalizar a leitura, ou fígado capaz de ajudar a excretar o excesso. O melhor tratamento, descobri, é escrever. Crimine Liber, portanto, tem a nobre e terapêutica missão de aliviar a pressão provocada pelas doses de leitura, além de fazer despejar aquilo que meu organismo absorveu de melhor ou pior dos livros que li, tenho lido ou vou ler. Espero que você aprecie!!!

segunda-feira, 23 de maio de 2011



Cotação: §§§§§
Livro: Diário da queda
Autor: Michel Laub
Editora: Companhia das Letras

151 páginas

Algumas coisas que sei (ou acho que sei) sobre Michel Laub.
Nasceu em Porto Alegre, pouco antes de mim. É escritor e jornalista. Antes de escrever ‘Diário da queda’ publicou quatro romances. Foi finalista do prêmio Jabuti e do prêmio Portugal Telecom, com o romance ‘O Segundo Tempo’. Mas para saber disso basta comprar o livro resenhado e ler a orelha.
Coisas que eu não sabia sobre Michel Laub.
Como nunca tinha lido nenhum livro de sua autoria, não sabia que o cara é um baita escritor. Nunca li matérias, entrevistas, contos, escritos por ele. Mas de um tempo pra cá tenho acompanhado com grande admiração sua coluna mensal no ‘Blog da Companhia’ (http://www.blogdacompanhia.com.br), em que senta ao lado de figuras importantes do meio editorial, escritores consagrados e jovens expoentes.
Não é só o domínio da língua (impecável) que vem me deixando entusiasmado com seus textos, mas seu controle raro sobre a linguagem, seu jeito muito próprio, bastante autêntico, de contar uma história, de expressar suas ideias, de colocar seu ponto de vista, enfim, foi uma descoberta e tanto pra mim, que aconteceu de modo bastante comum. Li uma resenha do ‘Diário...’ no caderno ‘Prosa & verso’ do jornal O Globo (peço perdão por não lembrar o autor da resenha), me interessei, procurei em algumas livrarias, e depois de alguns dias encontrei um exemplar, comprei e deixei sobre a pilha interminável de livros por ler.
Coisas que sei sobre mim.
Desenvolvi uma espécie de doença tardia, que costuma acometer adolescentes ou jovens adultos, e leva a pessoa viciar em qualquer livro do gênero policial. Como ‘Diário da queda’ está longe de figurar em uma prateleira ao lado de clássicos da Agatha Christie, Dennis Lehane ou Rubem Fonseca, era provável que dormisse alguns meses na pilha da estante bagunçada do meu quarto. Houve, entretanto, uma inesperada mudança no meu quadro clínico. Depois de muito tempo me dedicando à leitura de ‘policiais’ preferi dar um tempo, desintoxicar. Do que havia à minha disposição, escolhi o livro do Michel. Que sorte!!!
Tudo que sei sobre o diário.
O livro é escrito como fosse um diário (não se precipite, é diferente de tudo o que você já leu), o protagonista numa espécie de auto-avaliação que parte desde a lembrança de um fato que marcou sua vida na adolescência alterando (será?) o curso da sua história. Trata daquelas recordações que acompanham as pessoas e as transformam, positiva ou negativamente, e é tão dolorosamente verdadeiro que é impossível o leitor não terminar, ele próprio, seguindo pelo mesmo caminho.
Suas lembranças surgem por um emaranhado de motivações, aparentemente desconexas e mal relacionadas com o passado do avô e do pai, que aos poucos vão desfiando para terminar em um único e belo cordão. Tudo ali é ligado, tudo ali é uma coisa, sem justificação, explicação, expiação, redenção, são o que são, porque foram o que foram, e continuarão a ser.
 E não trata apenas daquele homem, daquela família e do seu legado. ‘Diário da queda’ avança, com franca honestidade, sobre o que todos humanos somos, como chegamos até ali, para concluir que ainda assim é possível se transformar e continuar sendo o que se é.
Nota final.
Um grande livro, bem pensado, bem executado, bem publicado, com a incrível capacidade de envolver, sensibilizar, convencer, emocionar, fazer refletir, um livro difícil de esquecer. O melhor livro que li esse ano, e que dificilmente será superado. Presença certa nas listas de prêmios de 2011 (espero) e que passou a representar para mim, como aspirante a autor, o marco definitivo que ‘a queda’ descrita, exumada, examinada, periciada, avaliada, analisada, foi para o seu protagonista.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

HUMILDADE


Depois do exercício da crítica (esse muito fácil), vem o exercício da humildade. Nos últimos meses tenho me colocado na confortável posição de criticar obras literárias apontando equívocos, segundo meus critérios subjetivos de leitor, e acertos. Indicando e comentando obras, algumas conhecidas outras nem tanto, sem dizer uma única palavra a respeito da minha atividade (quase secreta) de escrever ficção.
Bom, chegou a hora de me submeter à avaliação de outros ‘críticos’. Estou inscrito em um concurso literário que possui duas fases. A primeira depende de votação popular pela internet, basta um clique no link abaixo e você pode dar sua nota. A segunda, após apuração das obras mais votadas, é a submissão dessas obras pré-classificadas pela votação a um corpo de jurados especializados.
Sendo assim, peço sua ajuda. É rápido, indolor, não tem cheiro e não solta as tiras. Basta clicar no link abaixo e votar. Vamos lá, tá esperando o que?!?!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Crítica à crítica


Hoje quero desviar o foco. Não vou comentar nenhum livro, sim uma coluna que li ainda agora, no blog da Companhia das Letras. A coluna é escrita mensalmente pelo jornalista e escritor gaúcho Michel Laub. E é uma pérola. O link está no final do texto.
A verdade é que terminei de ler o último romance de Michel: ‘O diário da queda’, recentemente lançado pela CL, e minha vontade era (ainda é) resenhá-lo. Motivos pessoais, contudo, me tomam tempo capaz de impedir que me dedique à resenha no momento.
Tenho a sorte de compartilhar a amizade de Michel Laub (ainda que virtual) em um desses milhares de sites de relacionamento e, apesar de não conhecê-lo pessoalmente, posso afirmar que é um sujeito simpático, atencioso, além de um escritor raro. A coluna que me motivou a escrever agora discorre sobre ‘crítica literária’ e por esse motivo, resolvi me empenhar em comentá-la.
A proliferação de blogs dos mais variados temas abriu espaço para qualquer pessoa escrever o que pensa, sobre o que desejar, no momento em que desejar, franqueado suas ideias, sentimentos, pensamentos, expondo seu cotidiano, suas relações, sua formação, e também criticando ideias, sentimentos, pensamentos, cotidianos, relações e formações alheias, manifestações artísticas, culturais, políticas, as mais variadas. É uma corredeira que se inicia e encerra no mesmo ponto, por assim dizer: Eu escrevo um texto, publico, divulgo, outros lêem, resenham, criticam, para que outras pessoas leiam, critiquem, indiquem, para que eu volte a escrever novos textos que serão, lidos, relidos, criticados. Uma enxurrada sem freio. Nessa enxurrada me insiro até com algum atraso. Faz pouco tempo comecei a escrever através de blogs.
Se há um lado positivo, esse pode ser sintetizado pela possibilidade quase gratuita de expor sua criação ou suas ideias (sejam elas quais forem) a um número indefinido de pessoas, dependendo exclusivamente de sua rede de amigos, do interesse pela área a que se dedica, do alcance de suas palavras, etc.
Há, também, um lado negativo. Escreve-se, muitas vezes, sem critério, por amizade, por vaidade (talvez o ponto central da coluna escrita por Michel), necessidade de ser ouvido, necessidade de demonstrar capacidade intelectual, e por aí vai, o que termina por aniquilar o que a crítica possui de mais útil: Ajudar não apenas consumidores de cultura a optar por uma manifestação artística específica, mas a construir uma obra sólida, fortalecer a carreira de um artista (e aqui não falo de louros gratuitos, uma vez que criticas severas podem muitas vezes orientar um escritor, pintor ou compositor, ao passo que elogios banais podem ser a última pá de cal sobre sua obra), ampliar o alcance de uma obra.
Acredito que compreendi a mensagem do escritor, e como venho praticando o exercício da crítica há alguns meses, a li com olhos de aluno. A crítica não deve ser aplicada como instrumento de auto-engrandecimento, jamais deve ser uma tentativa grotesca de demonstração de cultura, um arroto de vaidade. A crítica é, antes de tudo, um ingrediente que se soma à manifestação artística a que pretende aclarar. Um meio de somar forças na construção de um quadro cultural único, sólido e positivo, compartilhando impressões, sentimentos, ideias.
Escrevi esse texto para todos que praticam o exercício da paciência ao ler minhas palavras, mas especialmente aos colegas que, como eu, dedicam algum tempo da sua vida resenhando e criticando o trabalho árduo dos outros (seja para dizer que gostou, seja para dizer que odiou o último livro que leu), e para lembrar que de vez em quando é válido observar o que nós mesmos temos produzido, dito, sentido, pensado, idealizado, realizado, etc.

O link para a coluna é: http://www.blogdacompanhia.com.br/2011/05/ainda-sobre-escritores-e-critica/#comments

sábado, 14 de maio de 2011



Cotação: §§§
Livro: A Guimba
Autor: Will Self
Editora: Alfaguara

331 páginas

Assim como ‘Precisamos falar sobre o Kevin’, comprei esse bom livro pela capa, que faz coçar os mais recônditos bronquíolos dos chatíssimos politicamente corretos. Aliás, antes de falar sobre o livro, quero destacar a esplendorosa edição, capa instigante de alta qualidade, páginas claras com tipagem agradável que facilita a leitura, tradução muito competente de Cássio de Arantes Leite.
Feitas as considerações iniciais, assim como ‘Precisamos falar sobre o Kevin’, não me arrependi da escolha. Não se trata de um romance policial, mas a trama parte de um crime (crime?). Um cidadão anglo, em visita a um país de proporções continentais, antiga colônia de sua nação, decide que já é hora de parar de fumar. Antes, porém, acende seu último cigarro aproveitando aquele prazer prosaico até a última tragada. Quando termina vai até a sacada do seu quarto de hotel e arremessa a guimba que cai acidentalmente no apartamento de baixo, atingindo a cabeça de um senhor de idade avançada. Pronto. O ato, aparentemente irrelevante, dá início a uma odisséia épica inacreditável.
O tabagismo sofre restrições graves no país e até mesmo o ato de fumar em local privado é vedado. Arremessar a guimba imprudentemente contra uma pessoa, então, é crime grave. E o sujeito, chamado Tom Brodzinski, é acusado de tentativa de homicídio e submetido aos rigores da Lei local. Com o tempo percebe-se que os motivos reais que levaram o atrapalhado gringo ao banco dos réus são muito mais relevantes do que se supunha.
O livro lembra muito ‘O Estrangeiro’ de Camus, escola nitidamente seguida pelo autor inglês que se lastreia numa história de absurdos e numa aventura fantástica em que o protagonista deve percorrer todo o país para expiar sua culpa por meio de um acordo judicial bastante suspeito.
Os personagens são soberbamente elaborados e o leitor se pergunta várias vezes não se aquele amontoado situações esdrúxulas são verossímeis, e sim como tudo aquilo pode ter surgido na cabeça do escritor.
A nota negativa fica por conta da longa narrativa (na minha opinião a epopéia poderia ser mais enxuta), que não compromete, no entanto, a qualidade do texto. A leitura é uma viagem longa, como aquelas que você fazia com seus pais quando era criança e insistia em perguntar se já estavam chegando. Mas a recompensa ao final é a mesma da chegada à casa de praia, com a vantagem de que você vai repensar seriamente o (mau) hábito do fumo.



Cotação: §§§§
Livro: A Intimação
Autor: John Grisham
Editora: Rocco

283 páginas

John Grisham teve seu primeiro romance publicado no ano de 1989 (Tempo de Matar), portanto há vinte e dois anos. Nesse período lançou nada menos que vinte e quatro obras, muitas das quais foram transportadas para as telas do cinema (A Firma, Dossiê Pelicano, O Júri). Quase na metade desse trajeto escreveu ‘A Intimação’.
O curioso desse romance policial, para quem acompanha a carreira do autor americano, é perceber que Grisham retoma, em 2002, o mesmo vigor de suas primeiras publicações. A ambientação jurídica é mantida, e sempre será (com exceção de Nas Arquibancadas, pelo que sei), mas de forma menos ostensiva. A trama é simples, como seu desfecho. No entanto, é tão bem costurada que leva o leitor a desconfiar de tudo e de todos até o final.
Um bem sucedido professor de direito Ray Atlee é intimado por seu pai – um juiz aposentado e doente que mora em uma pequena cidade do estado do Mississipi - a comparecer a uma reunião de família em que pretende definir a repartição e a administração de seu espólio após sua morte. Quando o advogado chega à velha mansão da família encontra o pai morte, além de dezenas de caixas de papel de carta que escondem uma fortuna milionária em espécie.
Sem saber o que fazer com o dinheiro, Ray resolve guardá-lo até descobrir sua origem. Não conta a descoberta a ninguém, nem ao velho advogado que cuidará do inventário, nem a seu problemático irmão, viciado em todo tipo de droga. A partir daí, passa a receber cartas com ameaças, que se transformam em perseguição, que levam a um final no mínimo incomum. E bastante divertido (sei que a palavra não combina com o gênero, mas é exatamente a sensação que tive ao terminar o livro).
Grisham mantém o tom levemente crítico às normas e ao sistema legal americano, em especial ao sistema judiciário do Mississipi, seu estado natal, provinciano, atrasado e cheio de brechas capazes de permitir a qualquer pessoa com um bom advogado alcançar seus objetivos, sejam eles quais forem.
Uma leitura suave e ligeira, ‘A intimação’ é um livro que diverte sim, ao mesmo tempo em que instiga os aficionados por uma boa trama policial. Vale destaque, enfim, o belo trabalho da editora Rocco, com uma publicação caprichada, bem como o trabalho correto de Aulyde Soares Rodrigues, pela tradução sem devaneios (o que é cada vez mais raro).



Cotação: §§§§§
Livro: Vento sudoeste
Autor: Luiz Alfredo Garcia-Roza
Editora: Companhia das Letras

210 páginas

Minha admiração por Garcia-Roza não é segredo para as pessoas que convivem comigo, ou com as quais de vez em quando converso sobre literatura. A elegância da escrita, as tramas bem engendradas, os personagens bem construídos por forte influência de sua excelência na área da psicanálise me encantam. Daí que foi para mim uma surpresa esse ‘Vento sudoeste’. Digo isso porque não esperava mais me surpreender com a obra do autor, julgava-me um leitor experiente de seus romances, e descobri que ainda há muito que conhecer.
Nesse livro vê-se um Delegado Espinosa amadurecido (em contraponto a ‘O silêncio da chuva’ – primeira obra de ficção do autor), não como homem, não como policial, mas como personagem mesmo. Revisando a obra do autor o delegado parece sofrer uma virada, é nesse romance inacreditavelmente ousado e original que Espinosa faz por merecer sua entrada triunfal no hall dos celebres investigadores de tramas policiais, sentando-se ao lado de Marlowe, Scarpetta, Poirot, Maigret, dentre outros.
O livro, no entanto, é mais do que um palco para o astro principal brilhar (personagens como Gabriel, D. Alzira e a entrada de Irene na vida do delegado merecem destaque). Todos os elementos do romance policial clássico são utilizados com maestria acorrentando o leitor ao livro. A história surpreende pela originalidade e começa com a improvável confissão antecipada de um homicídio. Um jovem atormentado por um vaticínio procura Espinosa para contar que antes de seu próximo aniversário deverá cometer um assassinato. Não sabe o nome da vítima, não sabe quando ou onde o crime será cometido, tampouco os motivos que o levarão a cometê-lo. Sabe apenas que irá acontecer e o tempo corre a favor da predição.
A ‘confissão’ é ponto de partida para uma complexa cadeia de acontecimentos que levam os atores a um final digno de aplauso. Sim, no final já sem fôlego a única coisa que me restou foi levantar e aplaudir (uma cena que minha esposa jamais vai esquecer) o maior autor brasileiro de romance policial na atualidade.