Boas vindas

Seja bem-vindo, caro leitor/escritor. Ler faz bem à saúde - física e mental. Sabendo disso, obrigo-me a tomar cavalares doses diárias de leitura. Como tudo que é exagerado faz mal, preciso eliminar parte desse remédio para manter meu organismo saudável. Não há pâncreas que produza qualquer enzima capaz de catalizar a leitura, ou fígado capaz de ajudar a excretar o excesso. O melhor tratamento, descobri, é escrever. Crimine Liber, portanto, tem a nobre e terapêutica missão de aliviar a pressão provocada pelas doses de leitura, além de fazer despejar aquilo que meu organismo absorveu de melhor ou pior dos livros que li, tenho lido ou vou ler. Espero que você aprecie!!!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Porta de Bronze e outros contos




Cotação: §§§§
Livro: A Porta de Bronze e outros contos
Autor: Raymond Chandler
Editora: Record

234 páginas

O pai do aclamado detetive Philip Marlowe dispensa comentários. Senta-se ao lado de Hammett na mesa dos criadores dos romances noir e sua obra, menos extensa do que gostaríamos, é recheada de obras primas. Aqui nesse apanhado de contos, a editora Record nos presenteia com o que há de melhor e mais variado dentre os contos desse brilhante autor norte-americano.
O que mais gosto em Chandler, sua insuperável capacidade de descrição – seja personagem, seja objeto, seja um lugar, Chandler descreve tão minuciosamente bem que temos a impressão nítida de estar observando aquilo que ele descreve - é precisamente o que ouço como argumento de muitos colegas que não são, digamos, muito fã do cara. Já eu, me delicio com sua narrativa, que acho ágil sem ser descuidada.
Como todos os louros são poucos, deixemos de lado a puxação de saco e esqueçamos a obra e o autor como um todo. O que vale, então, é avaliar a reunião de contos proposta pela editora, e essa foi bastante feliz.
A capa é interessante, mas a impressão poderia ser melhor. Já os textos são a fina flor da obra de Chandler. A começar pelo conto que dá nome ao livro. Porta de Bronze não é exatamente um conto policial, não um policial clássico. Tende a se inclinar para o lado do suspense, do sobrenatural, mas é fantástico. O clima noir fica claro desde o início e nas primeiras linhas você já não tem dúvida de que está lendo o grande texto de um grande autor. Tem um dos melhor primeiros parágrafos que eu já li.
‘Vou esperar’ é outro conto que merece destaque, esse já classificaria mais para o gênero policial e apesar do final ser menos surpreendente do que mereciam os leitores e a trama ser menos interessante que a do o primeiro, é uma bela experiência, se não uma leitura nova, ao menos uma leitura proveitosa, do ponto de vista da própria escrita.
Por fim, a leitura de ‘Verão Inglês’ é indispensável. Um conto afiado em que Chandler, propositadamente despido dos vínculos ‘matrimoniais’ que mantinha com a literatura policial (ao menos à primeira vista), pode demonstrar sua veia sarcástica, disparando especialmente na direção dos Súditos de Elizabeth II. Parabéns a Record pela seleção eclética e bem elaborada.
E se durante a leitura você sentir uma bruma tomando conta do ambiente, a luz do abajur fremir fracamente, ouvir passos e a campainha tocar inesperadamente, não se assuste. A culpa é do Chandler, que te leva a ficar em dúvida se é você que está dentro do livro, ou o livro que se tornou realidade.

Tequila Vermelha




Cotação: §§§§
Livro: Tequila Vermelha
Autor: Rick Riordan
Editora: Record

428 páginas

Eu não queria começar dizendo que o cara escreveu uma série de romance best seller (mais de dez milhões de livros vendidos pelo mundo) sobre um adolescente com poderes mágicos inspirado na mitologia grega porque isso, além de me cansar, me entristece gravemente (sorte a do Sr. Richard Russel Riordan Jr, competente o suficiente para produzir mais uma dessas séries para adolescentes que a gente não sabe dizer se é ruim por uma infinidade de argumentos ou boa por um único argumento – leva jovens leitores às livrarias).
Mas a verdade é que antes de escrever para adolescentes nerds cheios de espinha na cara o sujeito produziu uma bela série policial, com um dos personagens mais divertidos da atualidade (detetive Tres Navarre) e uma bela trama no livro de estréia, esse ‘Tequila Vermelha’ do título.
O que me impressionou, para começo de conversa, é que o autor conseguiu elaborar um início bastante forte e instigante, mantém o ritmo e o interesse no curso nas inacreditáveis 418 páginas, e termina da forma como começou, forte, interessante e surpreendente.
A história é tão bem engendrada, costurada e ocultada, que o leitor vence os capítulos com relativa facilidade. Apesar do grande numero de páginas, vale ressaltar que os capítulos são curtos, os diálogos inteligentes e recheados de sarcasmo, e a narrativa é leve, apesar de violenta, o que prende o leitor desde o início.
Voltando ao detetive Tres, os traços de sua personalidade são bastante originais, e variam de uma leve tendência à depressão e à solidão a um divertimento difícil de se encontrar nos dias de hoje. Nada daqueles homens chatos cheios de conflito interno. Ele é o cara (explicando rapidamente o nome, coisa que achei muito legal, Tres vem de três, já que o rapaz é o terceiro da ‘dinastia’ Navarre a se chamar Jackson).
Já a trama se passa em San Antonio, Texas, terra natal de Riordan, onde há uma forte influência mexicana e para onde regressa Tres após dez anos afastado da cidade, quase exilado em São Francisco, depois que seu pai, o delegado de polícia local, é assassinado na sua frente. O detetive particular sem licença retorna disposto a retomar um relacionamento amoroso do passado que ressurge e a descobrir definitivamente o que motivou o assassinato do pai. Não esperava, contudo, que ambos (a retomada do namoro e a morte do pai) pudessem ter qualquer espécie de vínculo.
Tudo fica muito claro à medida que o texto se desenvolve, mas da melhor forma possível, aos poucos, sutilmente, quase imperceptível, tudo recheado com um sarcasmo cru inspirador.
O difícil é pensar nos motivos que levaram os estúdios de Hollywood a optar pelo Jackson semideus, ao invés do Texano, muito mais divertido e inteligente. Mas no final isso não importa. Ao menos a Record nos fez o favor de publicar, quase quinze anos depois do lançamento nos EUA, esse excelente livro, numa edição muito bem feita com tradução perfeita.
Então, compre o seu, sirva uma dose de tequila com Coca-Cola, e erga um brinde a Riordan!